terça-feira, 2 de agosto de 2011

Cafeína

É de 2005, mas vem a calhar.


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Impiedosamente, entro clandestina na tua vida. Foragida, blusa de listra, número em tarja preta, remédio controlado, bala na agulha, bang! Escancaro a porta sem temer os vizinhos, começo pelas fotos: partidas ao meio, você sem mim, cara de cachorro sem dono – cachorro ainda. Depois reviro tudo que é escrito, pedaços de revistas voando sala afora, até dar de cara com uma montagem ordinária do teu rosto coladinho com o da Eva Green. Eva em pêlo como no paraíso, não os dela de pueril sonhadora, mas os de Luma de Oliveira, Playboy de 85, ah façofavor! Picotes de frases, letras coloridas ao avesso, nosso amor em notícia de jornal: “FIM DO RELACIONAMENTO ENTRE ELE E ELA”, nem publicado, foi pauta caída.

Passo para o quarto, lençóis jogados no chão, armários escancarados, cinta-liga presa no estrado da cama e peroba na cara, com boca faceira dizendo que ama, não ela. Mas a seda barata não engana, nem o cheiro de perfume Dolce Vagaba impregnado na gola da tua camisa – e morro, mas não confesso que pus o nariz ali.

Parto para a cozinha, afim de um café coisa e tal. De um cigarro, talvez, quem sabe de chocolate, cookies, vinho tinto foleiro, Gadernal, bala na testa... Por você não, nem tchum. Pego a xícara, queimo a língua como de costume, sem perder a elegância de apreciar o gosto forte do pó. Toma comigo também. Café não, toma naquele lugar filadaputa! E foi isso que escrevi no seu espelho, bem brega que nem novela mexicana e filmezinho-suspense-de-quinta. Com aquele batom, que você adorava, deixei lá em cima da pia: surpresa. Yves Saint Laurent que nada, é da Avon mesmo, promoção, 3.99. Foi bom pra você?

Eu quero paz
Quero dançar com outro par
pra variar, amor
Não dá mais pra fingir que ainda não vi
As cicatrizes que ela fez
Se desta vez
ela é senhora deste amor
Pois vá embora, por favor
Que não demora pra essa dor
sangrar.

(Los Hermanos - A Outra)